As megaempresas de tecnologia, Google, Twitter, Facebook, Apple, Amazon, entre muitas outras, nunca estiveram tão unidas no único propósito de limitar a liberdade expressiva nas redes sociais para o nosso sumo bem e em nome da mais inefável liberdade. Mas como é que uma ideia tão bonitinha, que cativou tantas pessoas e foi usada como marketing por tantas ideologias e até empresas, como a liberdade, pôde ser tão mortalmente ferida pelos mesmos grupos que um dia disseram defendê-la? A explicação para esta reviravolta não é simples, mas quando entendida, parece-nos muito óbvio que ela ocorreria.
Acontece que a liberdade de expressão que vivemos sempre foi uma instituição, uma concessão humana, e não a admissão de uma natureza inescapável, como ela de fato é. Se a palavra cão não morde, a palavra liberdade também não liberta. O homem criou uma liberdade para poder destruí-la quando não servisse mais.
Afinal, a liberdade de expressão foi uma conclusão a que a sociedade ocidental chegou, baseada no desenvolvimento de diversas correntes, desde o cristianismo, com a imagem do livre arbítrio, a dignidade humana, oriunda da própria doutrina de que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, até o mais recente liberalismo, que tendo como pressuposto as crenças e tradições cristãs, pôde ousar defender o livre juízo da consciência individual. Quando Cristo disse que, “se desejares a mulher do próximo em pensamento, já cometestes adultério” (cito errado, de cabeça, mas a ideia é essa), Ele falava do arbítrio individual sobre o certo e o errado, embora quem o tivesse escutado (e a tradição que veio depois) soubesse perfeitamente que ele se referia ao confronto entre a consciência e a Verdade, isto é, Deus.
Até este momento, a liberdade humana não era uma instituição, mas uma verdade sobre a natureza. Uma verdade natural, mas com óbvia base “sobrenatural”. O problema é quando o homem resolve entender as coisas. Aí ele as destrói.
Na modernidade, os liberais trouxeram a “novidade” de que a liberdade da consciência valia também para o que as instituições, políticas e religiosas, achavam sobre o certo e o errado (a Serpente já tinha dito isso a Eva). Caberia ao indivíduo, por assim dizer, “descobrir” a verdade, o que facilmente confundiu-se com criar o certo, justificar-se. O liberalismo foi uma espécie de doutrina da justificação pela consciência. Se penso, logo estou certo. Daí para o “tudo é certo se me faz feliz” é um passo. Assim, passou-se a questionar todo tipo de autoridade externa à consciência, o que nos tempos absolutistas pareceu uma boa idéia.
O liberalismo se tornou uma força cultural identificado com a modernidade. Contra ele, e contra a modernidade, outras críticas surgiram, como o fascismo, o tradicionalismo etc. Mas todos imbuídos da pegadinha liberal: se eles dizem que não há autoridade, vamos assumir a autoridade para “libertar” os oprimidos pela libertação das autoridades mediante a “hierarquização libertadora”. Tudo passou a ser feito em nome da igualdade, essa restauração do Jardim do Éden que só tem nos feito rastejarmos com o ventre sobre a terra.
O culto à igualdade, como diz Olavo de Carvalho, cria os instrumentos para uma concentração de poder como nunca vista. Afinal, elevada a um valor universal, a igualdade se torna um poder que precisa estar acima de todos, o que inevitavelmente aprofunda a desigualdade de poder. Para garantir o fim da desigualdade, assim como da pobreza, será necessário criar instrumentos que tenham infinitamente mais poder e dinheiro que todos os “lados” que precisam ser igualados. Bem-vindos ao globalismo.
Da mesma forma, o culto à liberdade só pode dar em escravidão. Afinal, para garantir a liberdade, alguém precisa ter o poder de conceder. E poder conceder é o mesmo que poder retirar.
“No comunismo, os filhos da puta estão todos no governo, já no capitalismo eles estão por toda a parte”, disse recentemente Olavo de Carvalho. As megafortunas, hoje, controlam tudo, desde governos até indivíduos, tudo em nome da liberdade. Afinal, foram elas que nos prometeram a liberdade e nos deram. Dizia Thomas Jefferson que se o governo pode te dar tudo o que você precisa, ele poderá retirar tudo o que você tem. Isso vale muito mais para a liberdade e nunca foi tão atual, mas agora aplicado não aos governos e sim às mega empresas que controlam a “livre expressão”.
Pensemos juntos: a liberdade de expressão é um valor universal. Mas então, perguntamos: essa consideração é anterior às leis humanas ou posterior? A Declaração Universal dos Direitos do Homem, a original, nunca precisaria ter sido escrita se nela já não estivesse implícito que a liberdade é uma concessão de iluminados. No mínimo, dos iluminados que escreveram a carta. No máximo, de todo mundo, indivíduo ou empresa, que se disser representante daquele espírito libertário, digamos, original. Não precisávamos de uma carta como aquela, mas poderíamos ter um documento que admitisse que a liberdade humana é um dado universal sobre o qual nenhum poder na Terra tem poder. Afinal, o livre arbítrio é isso. Você tem liberdade para ir para o céu ou para o inferno. Nós só pagamos a passagem.
Quando uma declaração como esta é escrita, a maioria das pessoas já aprendeu a pensar: “bom, então agora tá valendo, né? A partir de agora, certo?”. Ora, sabemos que o homem sempre teve liberdade. E a prova disso é que frequentemente tentamos aplicar valores contemporâneos aos homens do passado, como se Monteiro Lobato fosse racista, Machado de Assis, aquele misantropo, ou, em breve a Gretchen, aquela sexista. Quando achamos que os valores são definidos por nós, cometemos essas bizarrices.
Mas agora, como em toda a história que é dada ao homem escrever, querem nos convencer de que a liberdade de expressão é um mal que precisa ser extinto em nome da “verdadeira liberdade”. Quer dizer que a nossa, a liberdade dos cristãos e dos conservadores, a liberdade de apenas lembrar às pessoas daquilo que sempre foi o mundo, a vida, o homem (e que continuasse sendo) é uma espécie de “liberdade do lado negro da força (acho que vai ter que tirar este “negro” aí, revisor). Mas se nunca imaginamos que isso tudo iria acontecer, que a liberdade pudesse dividir as pessoas, é porque vivíamos num mundo mais simples e bobo do que a cabeça do Gerson Camarote.
Era óbvio que a liberdade, assim que criada, seria desfeita quando não interessasse. Se os globalistas do pacifismo do século XX achavam que era preciso acabar com as guerras, era evidente que todo conflito precisava ser desarmado. Isso já trazia implícita a censura às opiniões divergentes. Gente, não vamos brigar. Vamos dar as mãos. Mas você fica quieto e eu digo o que tem que fazer. Se não for assim, vai haver guerra e ninguém quer isso, não é mesmo?
A concentração de poder da mídia fez com que o jornalismo abandonasse de vez o teatro da sua “função informativa” e assumisse logo o papel de controlador, guia moral e arbítrio livre da consciência dos bilionários. Quando surgiram as redes sociais, era para ser um experimento de controle social. Mas a coisa saiu do controle. Os globalistas superestimaram seus instrumentos de agendamento mental, de controle dos critérios e de prioridades do público. De repente, os outsiders se encontraram no Orkut e a bola de neve cresceu. Agora é preciso explodi-la.
Mas ela está grande demais e rola na direção das potestades deste mundo. Não se trata mais daquela liberdade definida pelos códigos legais ou declarações mundiais. É a liberdade como ela é e sempre foi. A única que existe de fato.