Para os cientistas atuais, o mundo é apenas um grande corpus, uma grande placa de pesquisas na qual, por um inconveniente detalhe, residem algumas pessoas que teimam em comportar-se de modo descontrolado, a atrapalhar os experimentos científicos com suas liberdades e seus anseios livres. Como vamos medir e pesar, mensurar os níveis de tudo para o progresso do conhecimento e o bem do mundo se essas pessoas não param de se mexer na plataforma de pesquisas? É preciso dar um jeito nisso.
Dentre as restrições impostas pela pandemia à população em 2020, pode parecer que a mais grave seja a de circulação, de trabalho etc. Mas nenhuma restrição oferece riscos maiores em médio e longo prazo que a limitação da opinião. Em 2020, as opiniões mais triviais foram submetidas a um rigor de exatidão e veracidade científicas de maneira que a única opinião permitida foi a de cientistas. A opinião que antes conhecíamos passou a chamar-se desdenhosamente de “opinião não científica” ou simplesmente negacionismo da ciência.
- O filósofo Olavo de Carvalho, em aula recente, lembrou que a maior estupidez humana é acreditar que o poder da ciência traria o aumento das liberdades.
Deslumbrados com as maravilhas da técnica e das ciências naturais, intelectuais do início do século passado projetaram um mundo no qual a ciência ditaria todas as normas da sociedade através da política e da economia. Este mundo, que passou a ser financiado pelas fortunas de milionários e instituições filantrópicas, começa a se tornar realidade apenas no final do século passado e início do século XXI, quando finalmente as milhares de instituições criadas por eles alcançaram poder suficiente para conduzir os debates e preocupações públicas. Eis o maravilhoso mundo dos globalistas.
O progresso da ciência experimentado ao longo do século XX acabou levando a formidáveis fraudes. No final do século passado, a histeria ambientalista chegou a prever até uma nova Era Glacial. Depois mudou de ideia para um aquecimento global. Em 1985, os jornais estamparam nas manchetes as previsões de que em 2010 a Amazônia seria um imenso deserto. Passados dez anos do não cumprimento dessa previsão, ninguém cobrou ou exigiu uma retratação dessa “ciência” genérica. Em 2008, outra manchete, na Espanha, dava conta de que, em 2018, não haveria mais neve abaixo de altitudes de 2 mil metros. Em 2020, o gelo intransponível em algumas províncias espanholas traz inconvenientes aos moradores, mas não a cientistas que fizeram a previsão.
Ninguém cobra os cientistas por seus erros e, no entanto, evoca-se a autoridade da ciência para todo tipo de mudança política, econômica, comportamental. Neste distópico 2020, o uso das máscaras se tornou uma contenda, enquanto o tratamento precoce para Covid-19 foi combatido, médicos perseguidos, tudo em nome do grande interesse na saúde humana (ou em vender vacinas). Enquanto sobre todos os temas, com máscara, tratamento precoce e lockdown divide opiniões entre médicos, entre os especialistas da mídia vigora o mais calmo consenso. Com isso, é cada vez maior o número de imbecis que enaltece as opiniões científicas como superiores às mais básicas manifestações ou aos direitos que outrora representavam a normalidade. A ideia mesma do “novo normal” serviu muito bem ao propósito de envolver as sugestões mais cretinas em uma aura de autoridade social.
Mais do que isso, alguns cidadãos mais cativos da grande mídia acabam indo além até mesmo dos limites da racionalidade para defender os interesses de poder totalitário e repressivo sobre si mesmos. Diante de uma manchete que dizia: “PM usa bombas de gás para dispersar lual clandestino no litoral de SP”, o comentário de um leitor exigia que se criassem prisões provisórias para os desobedientes das salvadoras medidas sanitárias. O comentário obteve mais de 400 curtidas. Uma sugestão de criação de campos de concentração (ou de isolamento social) foi apoiada por uma quantidade de pessoas que não viu nada de errado em suprimir os direitos das pessoas para aliviar o seu medo. Se isso é verdade, podemos esperar das pessoas uma obediência tão cega quanto as piores atrocidades cometidas pelo homem.
Recentemente, o colunista do UOL, Leonardo Sakamoto, reclamou da “subnotificação” dos óbitos por Covid-19, dizendo haver outras doenças que não afastam a possibilidade de que incluam a Covid-19. Partindo da premissa de que o vírus só pode ser muito pior do que estão dizendo, o colunista, na verdade, tenta fazer da ciência estatística uma pedalada na qual sugere amplificar e supernotificar as mortes por Covid incluindo outras doenças, simplesmente para que a realidade criada por ele lhe pareça mais coerente com o que ele desejaria dizer. Por que, ao invés disso, ele não questiona que as mortes registradas como Covid talvez não tenham morrido de fato por Covid, como vários especialistas vêm questionando? Na verdade, ele apenas está sugerindo que se faça uma manobra para que as coisas possam ser como ele quer, isto é, as tragédias muito maiores para que ele possa aproveitar-se das mortes alheias para os fins políticos dele.
Este tipo de canalhice está se tornando cada vez mais comum quanto maior o poder simbólico da ideia que se tem de ciência, mas esse poder está sendo impulsionado por uma opinião pública cuja insegurança, medo e ódio, vem sendo abastecida com gasolina altissimamente inflamável pelo jornalismo. Com o poder do sensacionalismo em gerar sentimentos, a palavra da ciência se tornou um talismã. De posse dela, o jornalista tudo pode já que tudo lhe convém. Onde isso vai terminar não é impossível prever.
É neste cenário que estamos vendo a instituição de uma verdadeira distopia: a transformação do mundo em um imenso laboratório onde tudo é medido e pesado, controlado por indicadores, estatísticas e fórmulas numéricas. As utopias matemáticas do século XX nunca foram tão reais. Não é à toa que elas têm origens em teses esotéricas. Quanto mais se evoca a racionalidade e a exatidão matemática, tudo parece cada vez mais uma imensa operação de magia.
Nunca estivemos tão perto de uma instauração totalitária no mundo pelo nome de utopia sanitária, ou como disse o ex-ministro Luís Henrique Mandetta, uma Nova Ordem Mundial da Saúde. Com a pandemia, todos se tornaram doentes até prova em contrário, graças à invenção dos assintomáticos, conceito polêmico que vem sendo questionado e já foi até mesmo refutado por uma pesquisa recente. No entanto, assim como o aquecimento global, por maiores que sejam as provas contrárias ou fraudes desmentidas, a narrativa permanecerá nas páginas dos jornais como se nada estivesse acontecendo. É, de fato, uma operação mágica muito mais do que uma simples prestidigitação ou truque, porque atua na mente e na alteração da própria estrutura cognitiva.
Quem se acostuma a confundir verdade com autoridade tem a cognição alterada de modo quase irreversível. Todo conhecimento precisa, assim, vir embalado num pacote de prestígio ou não é verdadeiro. Da mesma forma, fábricas de rótulos depreciativos, como “fake news” ou “negacionismo”, trabalham a todo vapor na produção de máscaras para todos os gostos. Você pode usar uma máscara escrito “sou livre” se quiser. Só não pode deixar de usar.
Assim, a opinião livre se tornará um bem tão precioso que será destinado somente aos mais ricos e prestigiados, negada aos pobres, assim como o sustento do próprio trabalho, a alimentação, a água, combustível, formação da família, educação, tudo. A verdadeira utopia dos globalistas é um mundo com uma desigualdade nunca antes vista, mas na qual os mais pobres acreditam que estão sendo salvos da extinção certa ao serem misericordiosamente privados dos terríveis bens materiais e recursos que só os ricos podem ter.