Não é mera coincidência que o combate às fake news promovido por grandes empresas de comunicação, tenha um viés tão claramente de esquerda. A idéia da “regulação da liberdade” já tinha diversas ramificações revolucionárias e reacionárias ao longo da história. Mas só os países comunistas contaram com uma estrutura burocrática oficial com o fim estrito de coibir as “notícias falsas” ou informações inconvenientes à ideologia oficial do regime.
Os comunistas podem ser considerados os inventores dos métodos modernos de censura, consagrados na democracia com o “combate às fake news”, representado pelas Agências de Fact-checking.
Na União Soviética, a Diretoria Principal para Assuntos Literários e de Publicação, conhecida como Glavlit, era a agência estatal responsável pelo controle de materiais impressos. A imprensa era o seu foco principal, o que não impedia de censurar outras mídias, como o rádio, televisão, teatro e cinema. A Glavlit foi criada por um decreto de 6 de junho de 1922, em substituição da anterior rede de agências de censura civis e militares que havia sido criada após a tomada do poder pelos bolcheviques.
Apesar de oficialmente existir liberdade de imprensa na União Soviética, a Glavlit buscava controlar e impedir a publicação de informações econômicas ou militares com a justificativa de serem “uma ameaça à segurança soviética”. Isso incluía assuntos tão diversos como safras de grãos, inflação, incidência de doenças e localização de indústrias militares etc. Os líderes militares e partidários compilaram uma lista de fatos e categorias considerados secretos.
No texto original do decreto de 1922, o governo soviético fala claramente no combate às notícias falsas que influenciam a opinião pública, especificamente no terceiro item do artigo terceiro do decreto.
3. A Diretoria Geral de Literatura e Imprensa e seus órgãos proíbem a publicação e distribuição de obras que:
a) contenham agitação contra o regime soviético,
b) divulguem segredos militares da República,
c) incitem a opinião pública com informações falsas,
d) incitem o fanatismo nacionalista e religioso,
e) sejam de natureza pornográfica.
A agência também foi acusada de suprimir qualquer material impresso considerado hostil ao estado soviético ou ao Partido Comunista. Isso variava de pornografia a textos religiosos e qualquer coisa que pudesse ser interpretada como crítica ao partido ou ao Estado, implícita ou explicitamente.
Os censores individuais mantinham certa discrição e frequentemente mostravam considerável criatividade e paranoia em seu trabalho. A severidade da censura variou com o clima político, tendo sido particularmente rigorosa na sua “supervisão dos editores privados autorizados a operar” entre 1921 e 1929, de acordo com o historiador Michael S. Fox.
Em 1930, todas as impressões e publicações na União Soviética estavam sujeitas à censura prévia do governo. Desde jornais, livros e até panfletos, pôsteres, blocos de anotações e ingressos de teatro, tudo exigia a aprovação de um oficial da Glavlit antes de poder ser publicado, sendo a violação desta regra uma ofensa criminal grave.
A agência Glavlit também mantinha funções secundárias, como a censura de literatura estrangeira que era importada para a União Soviética. Também participou de operações de eliminação de materiais considerados provenientes de “inimigos do povo” de bibliotecas, livrarias e museus.
A Glavlit fez parte do chamado “Comissariado do Iluminismo da República Russa” até 1946, quando foi colocada sob a autoridade direta do Conselho de Ministros, tendo seu nome mudado várias vezes, prática comum em agências comunistas. Apesar dessas mudanças, a sigla Glavlit continuou a ser usada em fontes oficiais e não oficiais. Tecnicamente uma instituição estatal, Glavlit respondia diretamente ao Comitê Central do Partido Comunista, que supervisionava todo o seu trabalho e indicava seu líder. Cada uma das Repúblicas Soviéticas tinha seu próprio Glavlit, sendo que a agência russa dava o tom geral para a censura soviética.
O longo período de censura fez com que escritores russos criassem métodos de autocensura, evitando problemas, o que evidentemente produziu um efeito de silenciamento geral sobre as críticas à política soviética.
Os métodos oficiais da Glavlit foram sendo relaxados a partir de 1988, a partir da glasnost de Mikhail Gorbachev, deixando de existir oficialmente em 1991. No entanto, muitos escritores relatam outras formas de pressão estatal sobre os meios de comunicação existentes até hoje na Rússia.
No Brasil, iniciativas como a CPMI das Fake News, Inquérito das Fake News e Lei das Fake news, estudam a criação de órgãos de combate às notícias falsas nas redes sociais.
Whatsapp da época, conversas populares preocupavam o regime
A conversa entre as pessoas era motivo de grande preocupação, da mesma forma como o whatsapp parece ser uma ameaça ao regime, segundo ministros do STF, hoje.
O cartaz afixado nas ruas dizia:
“Fique alerta. Hoje em dia até as paredes estão nos ouvindo. Fofoca e conversa mole beiram a traição. NÃO FIQUE DE CONVERSA MOLE!”
Discurso religioso preocupava o regime
Assim como na atualidade, o discurso religioso era visto com frequente suspeita e calado sob a justificativa do “estado laico”, isto é, do regime ateísta da União Soviética. Os religiosos eram perseguidos desde o início do regime, mas foi crescendo a repressão aos grupos religiosos, principalmente os cristãos.
Tanto que em março de 1931, a lista de obras proibidas de circulação foi atualizada sendo acrescida da Bíblia. Sua venda e circulação foi proibida em todo o território da URSS com a justificativa de que as ideias ali contidas eram opostas as idéias de Lenin e Marx.
Estima-se que a URSS tenha perseguido cristãos durante todo o período inicial do regime, cujo saldo é de mais de 12 milhões de cristãos mortos apenas por causa da sua fé. A censura e o preconceito frequentemente evoluem para a repressão física e, finalmente, a eliminação.