“O médico me perguntou, em tom agressivo, onde estava a papelada da laqueadura e eu disse que não faria. Ele então começou a bater na sineta com raiva (…) e mandou [a enfermeira] preparar os papéis da laqueadura”. Diante da recusa, o médico avisou que “quando me abrisse (na cesárea), a escolha não era mais minha”, explica uma paciente.
A esterilização forçada é um dos capítulos mais nefastos da história do controle populacional. Infelizmente, essa realidade pode não estar tão distante da vida dos brasileiros, conforme ilustra depoimentos como o dessa gestante que pediu anonimato, e estatísticas sociais que levantamos. O caso em tela ocorreu no primeiro semestre de 2019, em uma Policlínica do Sistema Único de Saúde (SUS), e acende um alerta para práticas como essa, fruto de uma mentalidade antinatalista ainda forte no Brasil.
Fernanda (nome fictício) fazia pré-natal na rede pública de saúde, já com quase 8 meses de gestação. Em consulta com o médico obstetra, ela passou por uma situação de pressão para ser esterilizada, conforme relatou:
“O médico me perguntou, em tom agressivo, onde estava a papelada da laqueadura e eu disse que não faria. Ele então começou a bater na sineta com raiva, a enfermeira entrou e ele mandou ela preparar os papéis para a laqueadura. Eu estava sozinha e fiquei bastante acuada. Ele me chamou de irresponsável por ter o 4° filho, “imagina ter mais que isso”, esbravejou.
Falou que eu tinha que fazer a laqueadura e que, quando o médico me abrisse (na cesárea), a escolha não seria mais minha, mas do médico, em me laquear. Eu argumentei que não pretendia fazer cesárea e ele novamente me chamou de irresponsável.
A enfermeira veio com os papéis da laqueadura para eu assinar e eu me recusei. Eu disse que a decisão não cabia somente a mim. O médico passou a mão no telefone e ligou para o posto de saúde, dando instruções de que na próxima consulta (já agendada) eu deveria entregar os papéis da laqueadura assinados e que faria o parto cesárea cinco dias após a próxima consulta…
Falei que tinha motivos pessoais para não fazer a laqueadura, e também motivos religiosos. O médico riu de mim por isso. Me senti humilhada!”
A gestante tem medo de fazer denúncias sobre o caso e sofrer represálias, o que é comum em ambientes de coação e pressão desse tipo. O episódio expõe uma cultura antinatalista que penetrou boa parte da sociedade brasileira, incluindo algumas categorias. Além disso, trata-se de grave violação do código de ética médica e também um ato ilícito, em tentar forçar a esterilização. O médico ainda poderia ser acusado de intolerância religiosa.
Esterilização forçada, controle populacional e regimes opressores
A esterilização forçada é especialmente presente em países como China e Índia, onde a sanha pelo controle populacional tomou contornos de uma caçada implacável digna de roteiros de filmes de ficção. Mas nesses países o arsenal dos partidários do controle demográfico inclui, além da esterilização forçada, abortos forçados, multas e outras medidas antinatalistas que visam subjugar a população, especialmente os mais pobres, a projetos de sociedade calculados em planilhas por uma elite burocrata. Esse ímpeto, amplamente manifesto na ditadura chinesa comunista e anticristã, parece estar, em algum grau, bastante presente na cultura de países como o Brasil, de forte herança positivista e tecnocrata.
Fernanda não é um caso isolado: pobres são induzidos e forçados à laqueadura há décadas no Brasil
No Brasil, estatísticas sociais indicam que o caso de Fernanda, na verdade, não é um caso isolado de um médico que esqueceu-se de seus deveres, da autonomia e do bem estar do paciente. A realidade da esterilização forçada ou induzida, especialmente nas classes mais pobres, é bem mais comum do que muitos imaginam. Essas estatísticas ficam ocultas por estarem mais ligadas à população pobre, principal alvo das campanhas pela legalização do aborto por ONGs feministas, que representam grandes grupos financeiros interessados no controle populacional.
Estatísticas indicam: menos escolarizadas são mais esterilizadas
Como regra geral, mulheres mais escolarizadas têm maior acesso aos métodos contraceptivos. No entanto, no caso da laqueadura a lógica se inverte, atingindo aos mais pobres e menos escolarizados. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 1986, que analisou diversas regiões do Brasil, mostrava que de forma geral 38,5% de todas das mulheres com companheiro tinha passado por esterilização. Quando analisados os grupos por escolaridade, verificou-se que as mulheres sem escolaridade eram as mais esterilizadas (grupo “sem escolaridade” tinha percentual de 47,4% esterilizada; grupo com “5 a 7 anos de estudo” = 35,6% era esterilizada; e do grupo com “8 ou mais anos de estudo”, 35,9% estava esterilizada).
Vinte anos depois, o grupo de mulheres com companheiro e sem escolaridade estava 49,9% esterilizado por laqueadura, enquanto grupos com maior escolaridade, era apenas 20 a 25% esterilizada (grupo com 5 a 7 anos de escolaridade = 25%; grupo com “8 ou mais anos de estudo”, 20,5% – conforme PNDS 2006).
Desequilíbrio entre opções de método contraceptivos sugerem cultura da laqueadura induzida para pobres
O fato de haver maior incidência de esterilização para classes mais pobres, contrariando a lógica do acesso aos demais métodos contraceptivos, indica forteente que a esterilização feminina pode estar sendo “adotada” prioritariamente para os mais pobres e com menor escolaridade mediante pressão de médicos, profissionais da saúde e instituições, que acabam por se valerem do baixo grau de esclarecimento para promover um plano de controle populacional de raízes eugênicas.
Ao agrupar os dados por classe econômica, os dados se confirmam: em 1986, 41% das mulheres com companheiro (casados ou juntadas) na Classe E, estava esterilizada; em 2006 chegou a 53,5%.
Os relatórios mais recentes analisam os dados em relação ao total de mulheres em idade fértil, mostrando cifras diferentes por conta da comparação ser sob outra base de cálculo. As pesquisas começaram a ser calculadas com base em todas as mulheres em idade fértil (15 a 49 anos), independente de estarem ou não com um companheiro. Assim, recalculando por esse método temos a cifra de 17,2% laqueada em 1986; 27% em 1996 e 21,8% em 2006. Em termos metodológicos para análise da estatística, é razoável analisar atualmente com base no total de mulheres em idade fértil e não mais com base no total de mulheres com companheiro (casadas ou juntadas), já que atualmente, nossa em sociedade houve uma completa desvinculação entre vida sexual e a formação de relacionamentos duradouros, bem como formação de família. Essa alteração cultural exige, de fato, uma análise diferente daquela que era feita inicialmente na década de 1980.
Arrependimento pós-esterilização
Se pressionar uma pessoa a tomar uma pílula ou a implantar um DIU já seria um sério problema ético do ponto de vista do profissional da saúde e do sistema de saúde do país, ainda mais grave é a pressão, coação ou incentivo deliberado (ou pouco esclarecido) para a esterilização. Isso porque os estudos como PNS 1996 e PNDS 2006 também indicam que o grau de arrependimento da esterilização dentro dos grupos varia entre 9,9 a 18,5%. O grupo que mais é submetido a esterilização, com menor escolaridade, está entre os que tem maior taxa de arrependimento, com 18,5% das mulheres arrependidas (PNDS 2006), confirmando a existência de um grande problema.
Analisando o DHS 1986, verifica-se que a esterilização era mais comum que pílula, indicando que um dos grandes focos dos programas de controle de natalidade era esterilizar mulheres: em 1986, o grupo de mulheres de 35 a 39 anos estava 42% esterilizado, e 65% dessas mulheres havia sido esterilizadas nos dois anos que antecederam a pesquisa de 1986. Os hospitais públicos foram responsáveis por 58% das esterilizações. Esse é o universo de mulheres que pode se arrepender. A pesquisa de Barbosa, Leite e Noronha (2009) mostra que o percentual de arrependimento após a esterilização feminina geral seria de 10,5%, todavia, destacam que “a chance de uma mulher esterilizada com 35 anos ou mais se arrepender é 69% menor”, e esterilização mais cedo aumenta o risco de arrependimento (levantamento feito em 3.233 mulheres).
A pesquisa de Hardy et al havia verificado que a esterilização feminina com menos de 25 anos aumenta 18 vezes a chance da mulher buscar uma reversão da cirurgia, que nem sempre há sucesso na cirurgia de reversão. Além disso, verificaram que quanto maior a escolaridade, menor a chance de arrependimento. Na mesma pesquisa, verifica-se que 5,5% das mulheres havia alegado ter optado por esterilização devido a ser uma opção com “menos efeitos colaterais” e 26,2% optou por recomendação médica”.
Na pesquisa de Barbosa, Leite e Noronha (2009) verifica-se também que, dentro do grupo que se arrependeu da cirurgia, 62,6% era a mulher que desejava outro filho, 8,5% se arrependeu por conta dos efeitos colaterais da esterilização e 6,6% por “problemas de saúde associados à operação” (total=15,1% de arrependimento por problemas de saúde relativos a cirurgia), e 1,5% se arrependeu porque um filho faleceu e desejava ter mais filhos. Essa pesquisa utilizou analisou os dados coletados no PNDS 1996. Um percentual de 15% com arrependimento por problemas de saúde relativos a cirurgia parece coloca em xeque a decisão daquelas que optaram pela laqueadura por causa da possibilidade de menor efeito colateral, trazendo o novamente o questionamento sobre o consentimento informado: até que ponto as mulheres que decidem por laqueadura são bem orientadas sobre o que é o procedimento?
A pesquisa de Vieira (1998), com dados coletados em São Paulo, verificou 17% de taxa de arrependimento, contudo, outras 1,7% declarou-se insatisfeita e outras 5,4% declaravam comportamento ambivalente (arrependida por algum motivo, mas satisfeita por outro). O percentual de mulheres totalmente satisfeita foi 75%. No fim, em torno de 25% não estava satisfeita com a cirurgia que em muitos casos é irreversível.
Êxito dos engenheiros sociais do controle populacional
A taxa de natalidade no Brasil, desde 2004, está abaixo do nível de reposição da sociedade mesmo sem o aborto legalizado. Isso mostra a efetividade das diversas ferramentas usadas para controle populacional. Os investimentos internacionais em prol do controle populacional no Brasil surtiram efeito principalmente na esfera cultural e nos métodos contraceptivos e de esterilização.
Na esfera cultural, buscou-se convencer as pessoas de que ter filhos é ruim (ou terrível), e motivar toda a sociedade de que é preferível, para todas as mulheres, a subserviência aos chefes no mundo corporativo durante a maior parte da vida, do que “aguentar” uma família com filhos. Assim, com a cultura moldada para uma visão antinatalista, com famílias pequenas ou mesmo individuais, somado ao extensivo e pouco esclarecido fornecimento de métodos contraceptivos implementaram com sucesso o plano de frear o crescimento da população dos países do terceiro mundo.
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