Dois dos três autores da estimativa que projeta 1 milhão de abortos clandestinos no Brasil, reconheceram, em evento médico no dia 30 de março, que os números estão superestimados. A admissão dos erros ocorreu no evento do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj).
A narrativa pró-legalização, no Brasil e no mundo, fica fragilizada sem as estimativas que têm sido usadas amplamente por todos os movimentos e grupos favoráveis da legalização. A apresentação do pesquisador Marlon Derosa, no evento e debate médico, demonstrou as fragilidades metodológicas da famosa metodologia AGI (Alan Guttmacher Institute), bem como da PNA 2016 (Pesquisa Nacional do Aborto).
Estavam presentes no evento, dois dos três autores do estudo brasileiro que replicou a metodologia AGI. Os médicos pesquisadores pró-escolha, após assistirem a explanação de Marlon Derosa, informaram que estão de acordo com diversos pontos apresentados por Derosa, admitindo que um número de abortos mais provável seria de fato, bem inferior aos 850 ou 1 milhão de abortos que a metodologia AGI tenta sustentar.
A metodologia AGI foi elaborada pelo Instituto Guttmacher na publicação da Family Planning Perspective (Revista do Instituto) por Singh e Wulf (1994), e foi atualizada pelos pesquisadores brasileiros em 2015, em artigo publicado na Reprodução & Climatério – revista acadêmica nacional ligada à UERJ. Como destacou Marlon Derosa, em sua palestra, as críticas à metodologia AGI recaem gravemente contra o Instituto Guttmacher, fazendo a ressalva que, de fato, os pesquisadores brasileiros se restringiram a aplicaram a fórmula construída pelo Instituto, nos dados mais atuais do Datasus, no artigo de 2015.
A outra pesquisa que é usada com frequência por defensores da legalização do aborto também foi refutada. A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA2016), foi analisada em profundidade e comparada com bibliografias que conflitam com seus resultados. Sobre essa pesquisa, Marlon Derosa mostrou que ela também está superestimando abortos clandestinos, ao projetar 503 mil abortos no Brasil. Números mais prováveis de abortos clandestinos estão na casa de 48 a 150 mil ao ano, segundo sua análise.
Importância histórica internacional
Como destacou o pesquisador, a PNA 2016 não possui relevância internacional pois não é citada em estudos científicos fora do Brasil. Em termos de publicação e relevância científica internacional, apenas o número da metodologia AGI, que estima 1 milhão de abortos clandestinos, é que interessa. A metodologia AGI, por isso, foi a principal metodologia criticada por Marlon Derosa, que destacou que todo o panorama internacional de pesquisas sobre aborto no mundo é completamente invertido, ao verificar as discrepâncias de seu método. Quando o Instituto Guttmacher afirma que ocorrem mais abortos onde a prática é crime do que onde é legalizada, está se baseando nessas estimativas de abortos clandestinos, que estão estimando 7 a 10 vezes mais abortos do que seria plausível. Ao mesmo tempo, o Instituto Guttmacher não dá devido tratamento ao problema da subnotificação de abortos legais que ocorrem em muitos países, com isso, os resultados ficam invertidos.
Os médicos pesquisadores Jefferson Drezzett e Leila Adesse, apoiadores da legalização do aborto e coautores da atualização da metodologia AGI no Brasil (artigo de 2015), foram bastante receptivos aos apontamentos apresentados por Marlon Derosa, “concordando com muitos deles”, como comentaram após a palestra.
As críticas à metodologia AGI foram feitas pela primeira vez por Elard Koch e colaboradores (2012), diretamente aos autores originais da metodologia AGI (Singh e Wulf, do Instituto Guttmacher). O debate precisará evoluir, mas certamente a avaliação dos coautores Drezzett e Adesse, sobre os apontamentos apresentados é de grande relevância para o debate, e suscita a necessidade de inúmeras notícias, reportagens e posicionamentos sobre o aborto serem revistos. Como exemplificou Marlon Derosa em sua palestra, até o Ministro Luis Roberto Barroso, na decisão do Habeas Corpus 124.306, embasou seu voto nessa estimativa, alegando com base nela, que a criminalização do aborto não inibe a incidência de abortamentos.
Palestra sobre números anulou falas de outros especialistas
Outras palestras de médicos e especialistas renomados no evento do Cremerj foram fortemente afetadas pela crítica à metodologia. Um dos palestrantes havia falado em 450 milhões de reais de despesas do SUS e uma incidência de 1,2 milhões de abortos no Brasil; Outro havia trazido números de abortos legais em outros países que sustentavam uma redução de abortos após a legalização. Todos os dados tinham como fonte os estudos do Instituto Guttmacher, que foram colocados em xeque. Com isso, a argumentação dos partidários da legalização teve de ser adaptada, alterada.
Assista a aula de Marlon Derosa no Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro – 30.03.2019.
https://youtu.be/R5BXHYTD81s
Koch et al, 2012. Fundamental discrepancies in abortion estimates and abortion-related mortality: a reevaluation of recent studies in Mexico with special reference to the International Classification of Disease (2012).