Se confirmados, os dados apresentados pelo Ministério da Saúde, no primeiro dia da audiência da ADPF 442, que trata da descriminalização do aborto, são a prova irrefutável de que toda a mídia mentiu em suas manchetes sobre mortes maternas por aborto nos últimos anos.
E os abortos espontâneos?
Afirmação do Ministério da Saúde conflita com relatório da OMS
A maior pesquisa nesta área, usada pela OMS para analisar a mortalidade materna no Brasil, é o estudo de Laurenti et al (2004). Foram investigados mais de 7 mil óbitos de mulheres em idade fértil, no Brasil, a procura de mortes maternas classificadas indevidamente. Após a investigação, a equipe de Laurenti sugeriu que deve-se aumentar em 40% a mortalidade materna no Brasil e não em 400%, como defendeu o Ministério na audiência de hoje.
Vale destacar que o estudo de Laurenti et al (2004) analisou óbitos em um período prolongado de dois anos após o desfecho da gestação. Além disso, menos de 20% de sua amostra eram mulheres que passaram por aborto (incluindo espontâneos e clandestinos). A grande maioria da amostra se referia a óbito após desfecho de parto. Estes elementos colocam em xeque a validade da pesquisa para tratar da temática do aborto clandestino. Além disso, quando se fala em óbito materno, por padrão, refere-se aos óbitos ocorridos 42 dias após o término da gestação e não dois anos. A análise de óbito materno tardio pode ser válida, mas deve ser comparada com estudos sobre óbito materno tardio relacionado a aborto legal, o que abre um grande leque de análise, incluindo aí, pesquisas que mostram drásticos aumentos na taxa de suicídio após abortos legais nos EUA e outros países.
A pesquisa de Bonciani, 2006, também investigou mortes de mulheres em idade fértil em busca de mortalidade materna, e verificou apenas 8,2% de aumento, em análise da realidade de São Paulo-SP. Mota, Gama e Theme (2009), verificaram que, após investigações, os dados do Datasus estavam com 91% de exatidão.
Agora, em apresentação oral, o Ministério quer sustentar que a mortalidade por aborto do Datasus está quatro vezes subdimensionada. Ainda que seu estudo, a ser apresentado, tenha rigor científico, seus dados são tão conflitantes com as pesquisas anteriores que caberia ter feito a ressalva, em nome da neutralidade que apregoa ter, o Ministério da Saúde, na abordagem do tema.